Por lá, vou colocar também, quando possível, as canções. A criação é toda una, como uno é o Deus do Padre Bartolomeu de Gusmão, no Memorial do Convento, de Saramago. Ele, sempre ele a me persseguir. Aos novo blog, novo texto, novo tempo.
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
Mudança total
Por lá, vou colocar também, quando possível, as canções. A criação é toda una, como uno é o Deus do Padre Bartolomeu de Gusmão, no Memorial do Convento, de Saramago. Ele, sempre ele a me persseguir. Aos novo blog, novo texto, novo tempo.
sábado, 16 de outubro de 2010
Pedro David toca Eco
ECO
Letra e música: Pedro David
O grande, não banca essa de dândi
A gente sabe onde se esconde a insegurança em você
Milorde, seu terno não me comove
(Nem seu apartamento ou seu carro importado)
Caiu um pouco do cabelo, eu sei
Bateu aquele desespero, eu sei
É muita conta e angústia pra puxar
A vida passa num segundo, eu sei
A gente muda com o mundo, eu sei
(E às vezes não consegue nem notar)
Mas grande, você não é aquele lá da faculdade,
Que quase todo dia, fim de tarde, fumava unzinho com a gente ?
Sacava quase tudo de Filosofia, escrevia uma canção por dia, ia fazer diferente...
PS:
Versão censurada:
Mas grande, você não é aquele lá da faculdade, Que quase todo dia, fim de tarde, tomava um vinho com a gente ? Sacava quase tudo de Filosofia, escrevia uma canção por dia, ia fazer diferente..
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
Vagabundos Nutridos
Perguntei Dona Maria do segundo que entristecia
da dor zelosa da minha agonia
que se espalhava feito alergia
Dona Maria que nunca viu o mar
achou a cura para o meu sofrer
na intenção do movimento das ondas
nas majestosas contas do alvorecer
“Dança quando o sol chegar
que o dia vai nascer
independente do teu canto,
e não é o teu pranto que faz a terra escurecer
Mas se respostas você vem buscar,
eu sinto lhe dizer:
a vida é uma cantiga de roda,
faça um verso bem bonito, diga adeus e vá embora”
Amarrei segredos meus
com o cadarço do meu quichute
divaguei na quietude de uma rua mal-iluminada
das passarelas eu fiz calçada
parti nesse comboio que vai rumo ao nada
Dona Maria, na Serra do Cipó, reinava absoluta como um Prestes João]
e a batuta que ela traz nas mãos conduz o mundo em modo maior]
e entra aquelas fogueiras e vales, onde os vagabundos iam se nutrir]
não há no mundo ninguém que não cale
pra dona Maria se fazer ouvir
“Dança quando o sol chegar
que o dia vai nascer
independente do teu canto,
e não é o teu pranto que faz a terra escurecer
Mas se respostas você vem buscar,
eu sinto lhe dizer:
a vida é uma cantiga de roda,
faça um verso bem bonito, diga adeus e vá embora”
segunda-feira, 7 de junho de 2010
Peso e medida
Eu vinha com essas idéias, Dinda, quando vieram bater-me a porta. Eu via televisão, estava escuro, e algum cobertor e umas latas de cerveja sobre a mesa de centro me jogavam no fundo de um oceano americano. Bukowski ? Kerouac ? Eu não sei, Dinda.
Eu vinha com essas idéias, mas nunca levantava para anotá-las. Foi quando vieram bater-me a porta. Eu levantei pesaroso. Campainha a mais, ou a menos, não representava aborrecimento maior do que os aviões que insistem em passar sobre a minha casa. Eu sou burro, Dinda, eu sei, mas você conhece sujeito que por acaso vai alugar casa e fica pensando se ali é rota de avião ? O aeroporto fica uns três bairros mais pra lá, mas aqui eles fazem uma curva, um não sei quê. Deve ter cruza de meridiano com paralelo bem aqui em cima. Pra quem gosta dessa coisa de energia, é prato cheio. Nem sei. Sei que vieram me chamar e não foi “causo dum bezerro dos olhos de nem ser se viu”, como no livro lá do homem. Mas vai olhando, que tem bicho na história.
Eu abri a porta. Poderia descrever primeiro a escuridão, criar clima, mas ela nem existia, tamanho volume que vi ante meus olhos: cintilante, enorme, azul. Era um Boi brilhoso, boi de folclore. Não esperava coisa dessa na cidade, Dinda. Não esperava e acho que em lugar nenhum do mundo se espera coisa dessas na porta da casa da gente. Eu fiquei olhando. O Boi balançava pra lá, pra cá, chacoalhava seus penduricalhos, balançava seus chocalhos. Eu só olhava, sem fazer pose. Ele arriscou uns mugidos, correu meio desencontrado. Ameaçava entrar casa a dentro, recuava. O Boi sapateava na terra com seus quatro-pés-sambistas. Uma caçamba solta no espaço viajando em filme de Stanley Kubrick. Acho que durou uns vinte minutos, ou uns vinte segundos a cena. O boi balançou, balançou, balançou e depois cansou. Desceram a carcaça. Eram os meus dois amigos, o Rômulo e o Rafael. Eles arriaram a carcaça no chão e saíram meio de banda. Dinda, eles estavam bêbados e tontos. Um suor bonito escorria da cara do Rafael. Os olhos dele, miúdos, brilhavam na escuridão, dançavam feito o Boi. O Rômulo, como de costume, babava, exibia os dentões. Usava uma fantasia, um chapéu, parecia um palhaço saído de série de Luiz Fernando Carvalho. E ele faz aqueles trejeitos todos. O Rafael saiu de lado, mostrou a carcaça. O Rômulo fez um gracejo de mestre sala, ajoelhou e apontou. Era o grand finale:
- Você tá com medo de quê, Espantalho ? - foi isso que me perguntou o Rafael, Dinda.
quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
Para Clodoaldo, também sobredito o Rômulo
Eu ando em busca da canção perfeita
para aplacar essa desfeita que você me fez
Talvez eu a encontre no Largo de São Francisco
numa banca do bicho mais pro fim do mês
nas orações dos crentes no Largo de São José
no Largo do Machado ou em Trafalgar Square
Eu vou para o convento do Largo da Carioca
ou para Ibitipoca, largo essa mulher!
Eu ando em dúvidas a teu respeito,
eu já não sei se foi desprezo, despreparo ou despeito
Eu ando a passos rápidos pela cidade,
não sei se foi maldade ou foi desamor
Meu coração que é largo feito o infinito
agora afoga um grito de tristeza e dor
Que isso vai passar eu sei,
mas a angústia é saber-se uma pluma a mercê do vento
Se eu vejo o tempo como um trem veloz,
tento ancalçá-lo mas ele não cede
Se faço dele um carro-de-boi,
tento ir em frente mas ele me segue
É como uma canção, que sai de parto normal
Ou como a respiração,
quando a gente lhe presta atenção, ela deixa de ser natural
Talvez não haja uma canção perfeita,
talvez não tenha uma receita pra esse dissabor
Talvez quando eu me encontre no Largo do Boticário
ao ser destinatário de um novo amor
eu deixe de querer curar essa ferida
eu largue dessa história pra entrar pra vida
Que é como canastra suja,
ou como o som do vinil
A beleza que há nos erros,
quaresmeiras que ficam nos cerros
muitos meses depois de abril
quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
Coincidências, tristes coincidências
Azul
Quando se viu sozinho, com o fuzil na mão, no meio da rua de terra batida, o sargento J.Mauro teve a certeza de que a situação estava controlada. Todo o pelotão descansava, tentando dividir um resto de sombra que o sol de duas da tarde deixava na calçada em frente. Mauro passou pelos companheiros, e dobrou a esquina. A calma empoeirada da tarde lhe feria os olhos. Caminhou até o meio-fio, e sentou. Estava encharcado. Na loja vazia em frente, reconheceu um regador de zinco, pendurado de cabeça para baixo no teto. Desviou o olhar para as próprias botas, respingadas de lama, e teve vontade de chorar.
Ainda estava na mesma posição, só que com o capacete sobre o colo, quando vieram lhe chamar minutos mais tarde. Olhou para o capacete antes de colocá-lo na cabeça, e a cor lhe lembrou o giz que passava nos tacos de sinuca, nas tardes dos botecos da Rua São Clemente.
Era de uma superioridade inferior, foi o que pensou quando fechou os olhos para tentar dormir. No Haiti, de nada lhe adiantava ser mais alto e forte que os outros soldados, se lhe faltava a virilidade necessária para empunhar o cacetete na hora de afastar manifestantes exaltados, como havia acontecido naquela tarde.
O pelotão fora chamado às pressas para dar cobertura a cinco soldados que organizavam a fila do caminhão pipa, numa das partes mais pobres Cité Soleil. Devido ao atraso de mais de duas semanas, o conflito era iminente.
Minutos depois que chegou, quando o aglomerado de gente de todas as idades e sexos começava a tomar forma de fila, um negro alto, com as maçãs do rosto protuberantes, se deslocou do grupo e veio falar com ele. Quase tocando-lhe a cara com a ponta do nariz, o negro gritou para Mauro uma frase, da qual ele não entendeu uma só palavra. Em seguida, deu-lhe as costas, falou rapidamente com três senhoras que estavam no final da fila, e sumiu num beco.
Uma pedra caiu entre Mauro e dois soldados, e foi como um sinal para que a fila se desordenasse em paneladas, e empurrões. Mais de cinqüenta pessoas partiram para cima dos soldados, que tinha ordens explicitas de só atirar em último caso. Vendo que o grupo se entrincheirava atrás do caminhão, Mauro correu desesperadamente para atravessar a rua. A pressa ajudou a pedrada que recebeu nas costas a derrubá-lo de frente, com as costelas sobre o fuzil. Agüentou a dor, levantou, e continuou a carreira. Já atrás do caminhão, tentou achar no cinto uma bomba de gás lacrimogêneo, mas não encontrou. A chuva de pedras continuava, vinda do outro lado da rua.
A intifada parecia incontrolável, quando o caminhão pipa dobrou a esquina. A multidão como que se recobrou de um transe, e esquecendo os soldados, saiu correndo, catando panelas e bacias que pelo caminho.
Quando os moradores estavam próximos do caminhão, alguns já dando socos e tapas na lataria, um jato d’água derrubou três senhoras no chão. Em pé, em cima do caminhão, um soldado empunhava uma mangueira. De onde estava, Mauro pôde ouvi-lo gritar:
- Vocês não querem água, seus filhos da puta, então toma água.
O soldado segurava a mangueira com as duas mãos, abaixo da barriga, simulando um grande pênis que urinava na multidão.
- Toma água, seus filhos da puta.
O grupo de moradores avançou furioso, engrossado pelas pessoas que saíam das casas e lojas ao redor. O pelotão não teve outra opção, senão abrir fogo. Aos primeiros disparos, a multidão se dispersou aos berros, e em menos de um minuto, a rua que antes era palco de um estrondoso conflito, ficou deserta. O caminhão pipa desligou o motor. De pé, bem no centro da rua, sozinho, agarrado ao fuzil, estava o sargento J. Mauro.