sábado, 10 de janeiro de 2009

Literatura de quinta

A Maquina


Quando eu era menino, meu pai costumava pedir para que eu apagasse alguma luz que havia deixado acesa em casa bradando que não era sócio da Light. Isso numa época em que eu mal sabia o que era ser sócio e muito menos o que significava Light. Com o tempo, soube de outros amigos, que a bronca era a mesma na casa deles. Hoje, que bem sei o que é ser sócio, e tenho uma baita conta da Light para pagar todo fim de mês, fico me perguntando como deve ter sido a infância do filho do sócio da Light. Imagino um palacete iluminado, com imensas janelas de vidro, ostentando luz em meio às casas de um bairro alto, talvez o Valparaíso. Toda vez que o filho apagasse alguma luz acesa na casa, o pai lhe diria carinhosamente: “Precisa, não filho, papai é sócio da Light.”

Mas esse menino também tinha lá suas angústias. Muitos de seus amigos insistiam em dormir em sua casa, mas ele duvidava da honestidade da amizade deles. Poderiam ser interesseiros. Não por causa de seus brinquedos caros - no seu ciclo de amizade, todos eram filhos de algum tipo de sócio: seja de empreiteiras, multinacionais ou até mesmo de bancos - mas o filho do sócio da Light, às vezes, tinha a impressão de que os amigos só queriam ir à sua casa porque, como quase todos os meninos da sua idade, tinham medo do escuro.

Ele não, ele tinha medo é de claridade. No auge do verão, quando ia para a piscina do Petropolitano, tão logo o sol de meio-dia começava a devorar as sombras, ele telefonava pra casa e pedia para que a babá fosse buscá-lo. A preta, muitas vezes, pensava que ele era um menino problemático, triste. Mas tão logo chegava do clube, ele se refugiava nas sombras de uma mangueira nos fundos do quintal, e brincava a tarde toda.

Hoje, acabou a luz na empresa. Esperamos por quase três horas para que ela retornasse e nada. Quando o trabalho começou a se acumular sobre as mesas, um dos sócios teve uma idéia brilhante: foi até um armário nos fundos da garagem e retirou de lá quatro Remingtons empoeiradas. Ele sorriu triunfante. A idéia de guardar as máquinas, há mais de quinze anos, não fora coisa de velho, como disseram à época. Feliz como um menino que ganha um brinquedo novo, eu comecei a traduzir um documento para o consulado. O tec-tec que meus dedos produziam me fez sentir uma imensa saudade do meu pai.

3 comentários:

  1. Depois de passar duas horas escrevendo sobre o meu romance predileto, ainda tenho a oportunidade de me deliciar com uma "crônica"dessas...eu sabia que esse dia seria especial!

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  2. Mostrei a uma amiga e ela disse: Realmente, todo mundo diz que o "pai não é sócio da light"

    Mas e o povo que mora na rua da Light em nova iguaçu?

    Bom, murri com o texto!

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  3. Pedro, além de ser um lindo texto, é muito bom imaginar uma cena tão cotidiana de uma família de amigos.
    AAbração!

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