sábado, 27 de junho de 2009

Isso é Londres


Assim que soube que eu iria para Inglaterra, Lara, minha irmã, pediu uma lembrança que tivesse os Beatles como tema. Durante a tarde de hoje, caminhei em Camden Town, mas como chovia muito, não pude procurar com calma algum presente interessante. Quando dei por mim, as lojas estavam fechando e eu estava atrasado para o show de Neil Young, no Hyde Park.

Assim que cheguei, encontrei Magno estirado no gramado com dois amigos, bebendo cerveja. Não tínhamos ingresso, claro. Eles se esgotam tão logo um evento é anunciado. Mas tínhamos a imensidão do gramado, frestas na grade, e algumas cervejas.

Durante o show, a chuva ameaçou novamente, mas nada que tirasse o bom humor de meu amigo. "Isso é Londres", ele dizia. " Neil Young de graça e cerveja". Nas últimas músicas do show, um dos portões foi aberto. Embora não nos fosse permitido entrar, podíamos ouvir melhor as músicas e ver todo o palco. Estávamos em êstaxe. Isso é Londres, eu pensava. Como se fosse pouco, ao soarem os acordes iniciais do bizz, eu reconheci: Neil Young atacava de " A day in the life". Olhei para Magno. Estávamos emocionados.

No lugar dos violinos, guitarras fizeram o furacão sonoro que marca o auge da mais bela canção dos Beatles. Agora, sabia eu, faltava o despertador, e a parte que Paul McCartney canta. Magno pensava a mesma coisa, pois adiantou um verso, cantalorando: " I woke up..." De repente, ouvi uma voz conhecida, mas não era meu amigo. Olhei para o telão. "É o Paul Mcartney", falei. Então, novamente ouvi uma voz, mas era a minha mesmo, interna, gritando: "Corre, Espantalho".

Como um louco, sai em disparada portão a dentro. As duas guardas vieram atrás, e eu sentia suas mãos tentando me agarrar, mas era tarde demais: eu, Neil Young, Paul McCartney e a multidão cantávamos em coro: " I read the news today oh boy." Depois, soube que a minha inesperada reação tirou a segurança britânica um pouco dos eixos. Ao saírem correndo atrás de mim, as seguranças desguarneceram os portões e todo mundo me seguiu, Magno inclusive.

Uma noite, portanto, memorável. Isso é Londres, eu pensei, mas eu fiz igualzinho o que costumava fazer no pátio da Federal de Juiz de Fora ou no Circo Voador.

sábado, 20 de junho de 2009

Gastronomia Callejera




Depois de uma culinária de rua bastante tímida em Paris, finalmente Brugge. Quarenta molhos diferentes para sua batata frita, na praça principal.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Para todo mal a cura

Não sei se foi o tempo ou a poeira, mas minha alergia atacou com força por esses dias. Fui a uma farmácia em busca de um anti-histamínico, temendo que não me vendessem sem receita. Mas, como diz minha mãe, o que é bom para o Brasil, é bom para a França, e eis que me venderam Zyrtecset. Qual não foi minha surpresa quando li na caixa do remedinho que ele servia para Rinites, Conjuntivites Alérgicas e Crise de Urticária. Eu disse Conjuntivite e Crise de Uruticária, tudo com um remédio só! Tal qual Brás Cubas, almejo ficar rico exportando tal maravilha da farmacêutia moderna. Já estou a imaginar a propaganda nas rádios AM:

- Seu filho esbarrou na urtiga, ou coçou o olho com a mão suja, Zyrtecset é a solução.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Considerações sobre Paris

- No primeiro dia, apenas descansei. No segundo, tomei tanto vinho que acordei com a língua azul. Tenho medo de virar um Sharpei até o final da viagem.

- É mentira essa história de que os franceses não falam Inglês. Muitos falam, com exceção dos que trabalham na recepção dos Albergues e nos grandes pontos turísticos.

- A Sorbone é igual a Eco, mas acho que tem papel higiênico no banheiro.

- O metrô de Paris é análago ao cérebro de Voltaire ou Sartre; já o do Rio é como o do Sérgio Malandro ou do Maguila.

- Paris tem a melhor livraria (vide a primeira foto) e as mulheres mais bonitas do mundo, mas uma coisa realmente não tem nada a ver com a outra.

- Se existissem menos queijos, será que eles conseguiriam construir banheiros com privada, pia e chuveiro ?

- Hoje, em meio ao melancólico pôr-do-sol da segunda foto, me peguei cantando Roberto Carlos. Para minha vergonha - ou não - o cara que estava ao meu lado era brasileiro.

domingo, 7 de junho de 2009

Orientação para a viagem

1) Existem quatro pontos cardeais: Fortaleza, Bangu, Barra Mansa e Petrópolis.

2) Uma foto não é um processo físico-químico. Ela é a imagem de quem olha, quase sempre ausente. A foto acima é uma bela imagem do Rodolfo.

3) De tudo ao meu amor (próprio) serei atento. Serei comigo - e com os outros, - cortês como o Rodolfo, leal como Clodoaldo, paciente como Cagibrino.

4) Vou olhar por vocês.

Beijos

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Ressaca


Turvo turva a turva mão do sopro contra o muro. A frase lançou-se como uma besta em disparada, correndo a cabeça de José Eduardo assim que ele se levantou. Com os pensamentos encurtados por uma ressaca feroz, o verso bateu de lado a lado em seu cérebro, como uma bola de pinball, até cair morto no buraco negro do esquecimento. Era sábado.

Aos poucos, os fragmentos da noite anterior foram invadindo sua mente, todos, de uma forma ou de outra, feitos de pequenas humilhações: uma cantada frustrada numa menina, um discurso pífio, sobre um assunto que ele mal dominava, a tentativa de recitar, de cor, um poema, e por fim, claro, o telefonema, choroso e bêbado, para o celular de Maria Emília. Cada fracasso que rememorava intensificava sua dor de cabeça. Sentia-se rejeitado, envergonhado, entristecido, e sobretudo, inútil.

Na coleção de frustrações, a que mais lhe magoava era história dos poemas. Gastava as madrugadas a ler tudo que lhe caía nas mãos, e não conseguia decorar mais do que primeiros versos de qualquer poema. Não posso mover meus passos por esse atroz labirinto de cegueira em que amores e ódios vão; Stamos em pleno mar...Doudo no espaço brinca o luar; Vi ontem um bicho, na imundice do pátio, catando comida entre os detritos.

Ainda de pé, ao lado da cama, lembrou-se de Gabão. Foi numa noite escura, no pátio da faculdade, quando ainda era calouro. Gabão sentou-se no meio de uma roda, e algum dos veteranos olhou em volta, pedindo um cigarro. Gabão pegou o cigarro, tirou do bolso um isqueiro, e com calma, começou: não sou nada, nunca serei nada, não posso querer ser nada. Ao cabo de quinze minutos, havia recitado Tabacaria inteira, sem pausas ou erros, fazendo uma encenação minimalista dos versos.

Foi a primeira vez que José Augusto ouviu o poema. Era uma quinta-feira. No sábado, recebeu a carta em que Maria Emília dava por terminado o namoro. No domingo, em visita a mãe, falou-lhe de Pessoa. Ela buscou na estante um livro velho, de bolso, onde entre outros poemas, estava Tabacaria. José o leu três vezes durante a tarde, e ao cair da noite, sentia-se infinitamente mais triste, porém muito mais calmo e resignado. Dois anos depois, soube que Gabão havia se suicidado. Ele não era aluno da faculdade de Educação, como tinham falado. Era um dos tantos pacientes psiquiátricos que passeavam livremente pelo campus.

Naquela manhã de sábado, de ressaca, José Eduardo, com um sorriso triste, esboçou, sem perceber, o parágrafo de conclusão do livro de angustias que há tantos anos vinha escrevendo com o próprio cotidiano: com ironia e carinho pensou que talvez Gabão tivesse chegado ao fim de sua cota de Tabacarias. Que talvez estivesse reservada aos homens apenas uma determinada quantidade de vezes em que poderiam declamar de cor o poema. Era como atingir o sublime, a plenitude. Era a morte que se antevê no gozo extremo, na cura completa da dor, na calcificação das fraturas de que somos feitos. É a linha reta que se atinge após se desfazerem todos os nós que embolam a corda que somos. É o fim, e José Eduardo ainda estava começando.